terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fim de Ano (crônica)

    O ano se aproxima do final e, inevitavelmente, o ser humano se dispõe a balanços interiores. Vai desfilando mês a mês, na memória, toda sua proposta eufórica empenhada para si mesmo.   Uma aquisição aqui, outra ali...  Comparando com o ano anterior,  ele constata que até mesmo a agenda ainda está nova,  e os compromissos  programados lhe parecem iguais... A rotina, que se estabelece no passar dos dias, pela pressa de viver e cumprir o que se firmou, transforma todas as cores, espraiadas na calma, num cinza indefinido, fincado na ansiedade.
    Vive-se pulando etapas, pois são tantas metas para atingir. Daí, a urgência mascara a apoteose alcançada, porque a plenitude reside na serenidade.
     Catalogam-se aspirações, que não comportam no exíguo espaço do ser que tem pressa... No céu, mãos mágicas esculpem nuvens em esculturas fugazes, irrepetíveis e irreproduzidas, que os  observadores sensíveis de um tempo, que já vai bem distante, já não podem admirar, sugados que foram pela correria do dia a dia. O mar, cúmplice nessa habilidade em extasiar visões, nesse contexto de arte natural,  joga e recolhe suas águas, numa pintura infinita que se move e, assim, como as nuvens, é cada dia mais ignorado  pelos que correm...  Em nome de uma pressa incompreensível, desdenha-se a arte da natureza que nos cobre e nos cerca... Contabilizar o que se empenhou é tão fugidio como observar um caleidoscópio; tudo se mistura na sensação doída de quem não segurou a essência preestabelecida.
     Doze meses se passaram e outros tantos já estão ao alcance da nossa teimosia em  adiar possibilidades. E apenas porque  falta-nos obstinação para concretizá-las, damos-lhes o nome de desafios, que  justificam a tibieza da nossa coragem... Virar a página da agenda é mais ameno, não compete com noites insones...

     No tilintar das taças, os nossos sorrisos conterão todas as euforias convencionalmente programadas, e os fogos não dirão que é mentira... Estarão lá para confirmar alegrias
confraternizadas em comemorações, até  nos darmos conta de que mesmo eles, após dilacerarem o céu tantas vezes com suas luzes fantásticas, caem sobre o mar, aflito para apagar  ilusões encomendadas. Todavia, a frase calada, o gesto adiado, por um tempo que não  sabemos dimensionar, podem durar apenas um segundo, basta que nós, que tão bem nos conhecemos, os transformemos e façamos valer a pena... 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Rima Teimosa

Dizem que sou teimosa,
porque faço rimas.
Que nada!
Apenas sou poeta.
Teimosa é a minha poesia...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Asas Poéticas

RECONHEÇO OS MEUS LIMITES
E, CERTAMENTE, NÃO POSSO
BRIGAR COM ELES.
DISTINGO O QUE ESTÁ AO MEU ALCANCE
E SOU PRUDENTE PARA NÃO OUSAR
ALTURAS INALCANÇÁVEIS,
ONDE O MEU CLAMOR NÃO ECOA.
TEMO A IMENSIDÃO DESÉRTICA
QUE ME ESVAZIA...
PREFIRO OBSERVAR A BORBOLETA
QUE BAILA SONOLENTA
E O PÁSSARO QUE VOA...
POIS AS MINHAS ASAS SÃO APENAS POÉTICAS.
É PARA A DIREÇÃO QUE OS MEUS PÉS CAMINHAM
QUE EU DEVO ESTAR ATENTA......



terça-feira, 23 de agosto de 2011

Tempestade no Interior (conto)

      As tempestades nas cidades grandes não nos atemorizam tanto
quanto as do interior. Talvez, porque, nas metrópoles, mal conseguimos enxergar os horizontes, devido aos enormes edifícios que nos oprimem e nos ofuscam a visão do céu, parecendo disputar com as estrelas um espaço ali. Daí, nem percebemos o prenúncio do mau tempo. Muitas vezes, só nos damos conta de sua chegada, por meio dos serviços meteorológicos divulgados pela internet, TV ou pelo rádio.
Nas cidades do interior, no entanto, que optam muito mais
pelas construções de casas e prédios mais baixos, oferecendo-nos horizontes mais limpos e abertos, percebemos o mau tempo ao primeiro sinal dos relâmpagos.
Lembro-me bem das tempestades que passávamos no interior (querido São José do Calçado), no nosso velho casarão. Numa época em que ele não era de laje, tão frágil me parecia...
      E a tempestade chegava: ventania, trovoadas e relâmpagos
incessantes, acompanhados de chuva forte, de grossos pingos que, de tão vigorosos, repicavam nas calçadas e suspendiam, parecendo uma cortina-d'água que saía das entranhas da terra... Em poucos instantes, encharcavam becos, varandas e calçadas, correndo abundantemente ladeira abaixo, despejando o seu caudal por todas as ruas.
     Não sei bem o que mais eu temia, que o furor do vento arrancasse todas as telhas, que cobriam a nossa velha casa ou que um raio nos fulminasse, impiedosamente.
      Os trovões ecoavam junto à modesta cristaleira da vovó, que de
cristal mesmo reinava apenas, soberba e absoluta, uma antiquíssima compoteira, atritando entre xícaras, copos e pratos, assim como sacolejava todo o meu corpo, já bastante eriçado de medo. Apertava-me de encontro ao braço mais próximo de alguém e ali afundava a minha cabeça, na vã tentativa de abafar o som daquela orquestra dantesca, de regente invisível e implacavelmente mórbido.
     Era comum, naquela época, ao menor prenúncio de tempestade,
as luzes se apagarem, o que agigantava o medo. O vento, não menos feroz do que os raios e trovões, soprava em falsete pelas frestas das janelas, deitando as chamas das velas e dos lampiões, fazendo vultos fantasmagóricos nas paredes, como se zombasse de nossa fragilidade e temor.
      Quando nenhuma das orações que conhecíamos parecia
suficientemente poderosa para deter a tormenta, vovó acendia algumas folhas, já secas, que recebíamos no Domingo de Ramos: a Palha Benta, um ritual solene, de clemência máxima a Deus e praticado apenas em casos extremos. Aliado ao gesto de queimar a Palha Benta, rezávamos também as "Excelências", uma oração cantada, ensinada pela minha bisavó, a "Mãezinha", como era chamada por todos os seus descendentes. As "Excelências" foi passada a várias gerações, para só ser acionada após se recorrer a todas as preces.
      Era linda... Tocava a alma, a sensibilidade e, acima de tudo, a fé.  Tempestade alguma jamais ousou desafiá-la:


"Primeira Excelência nesta rua vai passar.
Senhora da Soledade irá acompanhar.
Respondeu Virgem Maria: "Eu também vou ajudar,
esta reza é reza santa tempestade há de abrandar..."

      Rezávamos cantando, com todo o fervor, até à Décima-Segunda
Excelência. Era suficiente...
Em seguida, raios, trovões e chuva forte arrefeciam e, juntos, desapareciam de braços dados no espaço. Logo, nossos rostos, onde o medo deixara um rastro de palidez intensa, retomavam pouco a pouco a sua cor rósea natural.
      As luzes se acendiam nas casas, som de vozes aqui e ali, o ruído de um carro ou outro passando... 
      Era a vida que continuava lá fora e dentro de cada um de nós.