domingo, 23 de dezembro de 2012

Estrela de Natal (crônica)


Quero uma estrela de Natal para iluminar a mente das pessoas que conduzem o destino de uma nação e que essa estrela deixe um rastro de bom-senso nas decisões que lideram.
Quero uma estrela de Natal ondulando sobre um mar límpido, sem poluição e dejetos.
Quero uma estrela de Natal nos Meios de Comunicação, reportando verdades isentas,
com  exemplos reais, sem propaganda enganosa ou  instigando competições consumistas.
Quero uma estrela de Natal fulgurante de reflexões em todas as crenças.
Quero uma estrela de Natal que exalte a solidariedade, e acabe com toda forma de preconceito.
Quero uma estrela de Natal nos passos da criança que caminha trôpega e iluminando o caminho do jovem que ela será.
Quero uma estrela de Natal no sorriso que nada oculta, na transparência das relações,
no arrependimento digno e na mão estendida que perdoa.
Quero uma estrela de Natal para eu colocar nas mãos dos que acolhem, dos que protegem e abrigam.
Quero uma estrela de Natal nos projetos, nos planos e nas perspectivas de cada um para o ano que se inicia.
Quero uma estrela de Natal no verso do poeta,
rimando encontro, abraço acolhido, feito laço ajustado,
iluminado e essencialmente bonito...


Feliz Natal! Feliz Ano Novo!

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O pedestre é mais feliz (crônica)

                     
    Fui pedestre por muitos anos. Quanta penúria nos pontos dos ônibus, junto aos meios-fios das calçadas, a uma espera por eles que me parecia interminável. Nos dias de chuva, era uma dança absolutamente insana, pulando sobre poças-d'águas, driblando-as num torturante bailado. Na minha casual coreografia à Fred Astair e Ginger Rogers, "dançava" forçada na chuva, ziguezagueando entre os veículos, empunhando meu frágil guarda-chuva, mas muito longe de ter a magia rítmica dos famosos dançarinos hollyhoodianos. Não, eu não queria protagonizar o premiadíssimo filme "Dançando na chuva", faltam-me habilidade e competência nessa arte. Quisera apenas um ônibus simples, suficientemente acolhedor, que me levasse ao trabalho e, mais tarde, de volta para casa, com a minha integridade física a salvo. Todavia, na hora do rush, com as conduções superlotadas, isso era mesmo desafiador: gente que nos esbarra e nos roça sem e por querer e eu ali, entre asfixiada, enlatada e indignada, louca para dar um chega-pra-lá nos marmanjos espertalhões com caras de anjos. Tenho uma tia que, quando utilizava ônibus urbanos, já garantia sua proteção: um providencial alfinete, camuflado entre os dedos e, assim, de braços "casualmente" para trás, fazia pular longe os aproveitadores, com a mesma aura inocente que eles estampavam na hora dos roçados. Ah, se o alfinete pudesse rir, quão sonora seria sua gargalhada, vendo os marmanjos se acovardando diante de um minúsculo espetinho.
    Até que um dia consegui comprar o meu primeiro carro e entrei para o rol dos motoristas: adeus ônibus superlotados, adeus oportunistas dos agarros e roçados, adeus freadas bruscas de condutores mal-educados, adeus banho em poças-d'água... Despedia-me, assim, exultante e aliviada, de toda tortura a que um passageiro urbano é submetido. Via-me livre dela, enfim.
    Contudo, passados alguns anos como motorista, comecei a perceber que o trânsito, definitivamente, não foi feito para ele, mas para os pedestres. Eu era feliz e não sabia... Senão, reparem: o pedestre come pipoca e toma sorvete, fala ao celular, distraidamente, sem ser multado, vai a supermercados, bancos, shoppings, sem pagar estacionamento. O motorista, ao contrário, tem de dirigir absolutamente atento ao trânsito e dar ao pedestre toda e irrestrita prioridade. Paga IPVA, Licenciamento, pedágios, seguro disso e daquilo. Pedestre não é submetido a bafômetro, redutores de velocidade aqui e acolá, nem é vigiado por câmeras de mil olhos.
   Se um motorista atropelar um pedestre, mesmo que esse pedestre tenha avançado o sinal, é multado, preso, xingado, vilipendiado, cassado e até mesmo linchado. Pedestre, ao contrário, está livre de sanções, não há lei de trânsito para puni-lo, e é eternamente protegido da população. Alguém já viu um pedestre ser multado porque atravessou a rua com sinal vermelho pra ele? Mas, haja o que houver, o motorista nunca terá razão. E, agora, não bastassem as inúmeras faixas de pedestres espalhadas a cada cem metros por todos os bairros, criaram para eles a faixa vermelha, que se assemelha aos tapetes que se estendem às celebridades e estrelas para elas desfilarem garbosas e altaneiras, e, de preferência, sem pressa. E os motoristas ali, diante da faixa vermelha, atônitos e autômatos: o compromisso esperando, o trabalho ou um filho na escola esperando, um parente passando mal, esperando, e ele ali, também, esperando, esperando, meio robô, meio gente, o coração a mil de ansiedade, rezando para que, quando enfim passar todo mundo na faixa reverencial vermelha, nenhum maluco retardatário se jogue a sua frente, porque, senão, aí, o verdadeiro "Inferno" de Dante sairá do livro direto para a avenida e para a sua vida. O motorista, no mínimo, será punido por imprudência e desatenção.
    A providencial faixa vermelha dos pedestres eletriza e subjuga o motorista. Daí que, mal ele vislumbra esses tapetes vermelhos, seus olhos arregalam-se como se fossem pular das órbitas, e o coração, num salto alucinado e acrobático, ameaça-lhe arrebentar na caixa torácica. Deus o livre de atropelar um pedestre nessa aterrorizante faixa vermelha! Certamente, estará decretada a perda de sua razão e para sempre comprometido o direito de ele viver livremente.
    Depois que me tornei motorista, nunca mais pude acompanhar o florescer dos canteiros, com seus mosaicos coloridos nem os prédios de arquiteturas faraônicas e futuristas, todos eles me parecem já brotar prontos e gigantescos da terra, como se uma fada, magicamente, os tivesse colocado nas ruas, sem que eu me desse conta, para meu espanto e pesar.
    Por tudo isso, ando deixando meu carro na garagem e descobri-me mais leve, menos estressada, mais feliz. E tenho me deparado com imagens tocantes, que, como motorista, não me é dado o prazer de observar.
    Dia desses, caminhando, após descer de um ônibus, vi  jardineiros plantando uma árvore. E sorri sozinha, enternecida, quando observei, mais à frente, alguns homens que se movimentavam com a ornamentação de Natal da cidade.
     Sim, o pedestre é mais feliz...

sábado, 15 de setembro de 2012

O entardecer (crônica)


     O amanhecer é companheiro das nuvens algodoentas e encarneiradas, mas o entardecer só pode ser o aconchego da poesia. Pouco a pouco, vislumbra-se o amarelo destonalizado do sol, já sem força, despedindo-se, com muita pena e saudoso, do dia que se vai... Breve, a nuvem translúcida, feito cortina de voal, há de deitar sua sombra, cinzenta e fina, quer sobre o mar, quer sobre montes e campinas extensas e verdejantes. E logo descerá, devagarinho e mansa, para se aconchegar à terra.
      No entardecer, aves e pássaros se alvoroçam num bailado estonteante de volta aos seus ninhos, porque a noite, silente e misteriosa, já se avizinha. O alto de uma montanha escarpada e uma árvore frondosa e forte serão o lugar ideal para um abrigo. Os galhos, cúmplices dessa ânsia por um refúgio, abrem-se acolhedores e lhes acenam, feito braços imensos e despojados para os receber, protetores e em segurança.
     O entardecer são as trombetas dos anjos esvoaçantes, lépidos e inquietos que vêm anunciar a noite.
     O entardecer é sempre manso e risonho, eu até juraria que é o sorriso aquiescente de Deus.
     O entardecer pisca os olhos para os enamorados, ouve suas confidências e todas as juras de amor, no morno da tarde.
      Sobre os morros, o entardecer coroa de brilho multicolorido o mundo, e quando estende por cima do mar o seu reflexo, espraia a imagem mais bela que o pintor, sensibilizado e atento, reproduz e transforma na sua obra-prima.
     E a alma do poeta, seduzida e reverenciada, desperta e voa ao redor da poesia...      

                                        

(crônica escrita ao som de "Sonata ao Luar" de Beethoven)

Inexplicável (crônica)


 
     Como explicar a sensação de já conhecer uma determinada paisagem, quando a vejo pela primeira vez? Experimento identificação tamanha com lugares pessoas, sons, cores, luzes e sabores, a tal ponto, que as viagens não me fazem mais falta, eu as tenho feito sem sair do lugar...
   Há pessoas que tão-logo as conheço, tomo por elas identificação tanta, que é como se a vida inteira estivéssemos juntas e lado a lado...
   Há personagens desconhecidos que adentram os meus sonhos, que caminham comigo e tomam  em suas mãos o meu rosto embevecido e o afagam. Acordo com a sensação de ternura desmedida e compartilhada, com a absoluta certeza de ter sido visitada por ser familiar e querido.
    Diante de uma praia, sem nunca ter estado ali, sou tomada pela impressão real de ter mergulhado naquelas águas sem receio, logo eu, que temo tanto o mar e suas ondas bravias.
    Já ouvi citações que juraria tê-las ouvido, assim como amei pessoas com a convicção de estar amando-as novamente, e muitas vezes...
    Proferi frases como se me fossem ditadas e que me tiraram de incontáveis apuros.  Embrenhei-me em controvérsias, situações difíceis e dasafiadoras, confiante de que as superaria com suave proteção.
     Escrevi crônicas e poemas, como se uma força maior me ditasse todas as frases e todos os versos e rimas, bem baixinho ao meu ouvido e, no final, trocássemos emoção mútua.
      Há sabores que antecipadamente os rejeito e outros que os pressinto agradáveis, sem jamais tê-los experimentado...
      Há músicas que envolvem-me em emotividade funda e reconhecida, enlevam-me ao infinito da imaginação e, por inexplicável sintonia, emprestam-me asas para uma viagem fantástica, onde vou a lugares caseiros e ao encontro de pessoas que me saúdam e caminham comigo naturalmente identificadas. 
       Já me deparei com olhos fixos nos meus que eu apostaria tê-los vistos há muito e muito tempo...
        O que significariam todas essas viagens e personagens, compondo e misturando sonhos e realidades ao meu redor? Que nome eu ousaria dar às identificações rotineiras que brincam familiarizadas no meu cotidiano?
        E se eu não ousar defini-las, por simples temor de não ser exata, certamente um SER, infinitas vezes maior do que eu, sabiamente, já o terá feito...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Nas asas da saudade (Crônica)


            FUI DORMIR COM UMA SAUDADE  INSONE. ELA CHEGOU ASSIM, SORRATEIRA E SEM AVISAR.  AH,  INTROMETIDA E FORA DE HORA SAUDADE. TALVEZ POR JÁ ESTAR ACOSTUMADA À PESSOA QUE ELA VISITA,  FAZIA-SE INVASIVA E AUTORITÁRIA, ABUSADA E ESPAÇOSA  PELO MEU QUARTO ADENTRO E AFORA...
        QUIS IGNORÁ-LA,  DAR DE OMBROS, MAS ELA, IMPERIOSA E DECIDIDA, CATUCAVA-ME COM AS IMAGENS MAIS TERNAS E INDIZÍVEIS DE MIM.
   - COVARDE - MURMURAVA-LHE COM SÚPLICAS INAUDÍVEIS E DESDENHADAS  -   ISSO SÃO HORAS DE VISITAR ALGUÉM, TÃO DE MADRUGADA?
      ELA  SE MANTINHA INSISTENTE, SOBERBA E PRESUNÇOSA.  CONFIANTE DE SI  E TÃO SENHORA DE MIM,  IA DESFILANDO VISÕES QUE SUSCITAVAM NA MINHA ALMA  SENTIMENTOS ADORMECIDOS. QUASE PODIA OUVIR O SEU RISO CERTEIRO, QUANDO EU SACUDIA A CABEÇA EM NEGATIVA, JOGANDO PARA OS LADOS OS MEUS REVOLTOS CABELOS.
  -  VAMOS BRINCAR - PARECIA COCHICHAR-ME- BRINCAR DE LEMBRANÇAS...  FAREMOS UMA LONGA VIAGEM PELO TÚNEL DO TEMPO ATÉ A SUA INFÂNCIA .
    -  MINHA INFÂNCIA? RETRUQUEI SURPREENDIDA - AH, ELA ESTÁ TÃO DISTANTE...
    - NADA É TÃO LONGE E DISTANTE PARA A SAUDADE - RESPONDEU COM  COM AR ALTIVO  - CHEGAREMOS LÁ, ANTES DE VOCÊ PISCAR OS OLHOS DUAS VEZES.
    ENVOLVI  O TRAVESSEIRO  NA  CABEÇA, COMO  ÚLTIMA TENTATIVA DE NÃO VÊ-LA, NÃO TÊ-LA, NÃO SENTI-LA. TUDO EM VÃO...
    - SUBA! - ORDENAVA CONVENCIDA E ZOMBETEIRA - SUBA ÀS MINHAS ASAS, DOU-LHE CARONA.
    COMO UM AUTÔMATO, DEIXEI-ME LEVANTAR PELOS ARES,  RUMO AO VENTO DAS LEMBRANÇAS AGUÇADAS E INEVITÁVEIS. FECHEI OS OLHOS E PERMITI-ME ENVOLVER PELO TÚNEL DO TEMPO, ONDE ENTRAMOS JUNTAS E ABRAÇADAS.
     ÍAMOS  TÃO VELOZMENTE,  QUE EU JÁ NÃO CONSEGUIA DISTINGUIR SE AQUELAS IMAGENS  VERTIGINOSAS ESTAVAM VERDADEIRAMENTE DISTANTES  OU BEM ALI, AO MEU ALCANCE, PARA QUE EU PUDESSE TOCÁ-LAS  E  NOVAMENTE VIVENCIÁ-LAS.
    RESOLVI DEIXAR-ME  CONDUZIR POR ESSA SAUDADE DOMINANTE E AVASSALADORA. NÃO TINHA FORÇAS SUFICIENTES PARA LUTAR COM ELA, QUE CADA VEZ MAIS CÚMPLICE SE APOSSAVA DE MIM.
    - VEJA! - INCITAVA-ME A OLHAR  ROSTOS E LUGARES - ESTÃO TODOS COM VOCÊ  PARA SEMPRE. TOME-OS NO SEU CORAÇÃO. POR QUE DIGLADIAR-SE COM O QUE A VENCERÁ? IMPOSSÍVEL DESLIGAR-SE DO QUE FOI ADOTADO PELA ALMA. DEIXE-SE POSSUIR PELA GRANDEZA DOS MOMENTOS CONSTRUÍDOS NA ESSÊNCIA DO BELO.
     APONTAVA-ME PERSONAGENS, PAISAGENS,  RECANTOS PARTILHADOS E OUTROS TÃO-SOMENTE MEUS...    SORRI UM SORRISO DE AQUIESCÊNCIA E ENTREGA. IMPREGNADA DE PASSADO E PRESENTE QUE SE MISTURAVAM E BAILAVAM COMIGO. E EU GRUDADA À CINTURA DA SAUDADE...
     VOAMOS SOBRE TELHADOS DE CASAS, CINEMA, COLÉGIOS E IGREJAS, E AINDA DEMOS UM RASANTE SOBRE CÓRREGOS E AÇUDES DE ÁGUAS CRISTALINAS. CORREMOS VELOZMENTE POR LADEIRAS ÍNGREMES, RUAS DE TERRA BATIDA E CEMITÉRIO DESATIVADO, ONDE, JUNTO COM OS MEUS AMIGUINHOS,  FAZÍAMOS ESCONDERIJOS INDEVASSÁVEIS.      PARAMOS, ENFIM, PARA DESCANSAR  NO QUINTAL DO CASARÃO DA VOVÓ, À SOMBRA DO  PÉ DE JAMBO, O MEU PREFERIDO.
    ENQUANTO TOMÁVAMOS FÔLEGO, PUDE VISLUMBRAR NA GARAGEM VAZIA, AINDA BALANÇANDO BEM LÁ NO ALTO, PENDURADO AO CAIBRO MAIOR, O TRAPÉZIO FEITO COM DOIS PEDAÇOS DE CORDA, AMARRADOS LADO A LADO À METADE DE UM PAU DE VASSOURA. MAIS ABAIXO, O PORÃO,  ABRIGO DE TANTOS TARZAN, JANE E CAUBÓI, COM SUAS MOCINHAS CAVALGANDO EM BAMBUS, ARRANCADOS, SEM A MENOR CERIMÔNIA, DAS CERCAS DO VIZINHO, PARA AJUDAR A COMPOR INFINITOS PERSONAGENS  DE NOSSOS TEATROS IMPROVISADOS E ÚNICOS.
     AGORA,  MINHA RELUTÂNCIA DAVA LUGAR A RISOS E MAIS RISOS MISTURADOS A LÁGRIMAS QUE DESCIAM MORNAS E FELIZES PELA MINHA BOCA.
     DE VOLTA À PENUMBRA DO MEU QUARTO, AINDA PUDE VER A SAUDADE ME ACENANDO E SE AFASTANDO LENTA E SATISFEITA, NA CERTEZA DO DEVER CUMPRIDO. ESTÁVAMOS AMBAS EXAUSTAS DA MÁGICA VIAGEM.
    ANTES DE FECHAR OS OLHOS, SENTI UM SUAVE BEIJO NOS MEUS CABELOS. SÓ NÃO CONSEGUI DESCOBRIR DE QUEM ERA, POIS ENTRE TANTOS ROSTOS VISITADOS, ENTRE TANTOS PERSONAGENS REASSUMIDOS, NEM MESMO A SAUDADE PÔDE DISTINGUIR...
ACORDEI COM AQUELA SAUDADE BOA DE SENTIR, QUE NOS FAZ LEVES E  SORRIR À TOA....

quinta-feira, 29 de março de 2012

Saudosismos e Reminiscências (crônica)

      Quando recordar nos faz tristes, somos saudosistas, mas, se somos capazes de suscitar antigas lembranças com um sorriso aqui, outro ali, ainda que em doídas perdas, estamos sendo tão-somente reminiscentes. 
      O saudosista se agarra ao passado, quer viver nele, custa-lhe entender que o tempo passou. Suas pernas estão no agora, mas a mente estagnou à sombra de lugares ou de pessoas insubstituíveis nas suas afeições. Muros altos e limosos o impedem de transpor caminhos novos. O reminiscente é como um beija-flor fascinado por suas flores, passeia pelo jardim do passado e tem o dom de nos trazer o seu perfume.
      O reminiscente brinca com suas recordações; o saudosista a chora eternamente.
      O saudosista nos entristece com suas lembranças; o reminiscente nos emociona. 
      O saudosista é um navio imenso de madeira tosca, e eternamente ancorado; o reminiscente, um barco inquieto, esfumado ao vento, que vai e volta, vai e volta... com a leveza dos que singram.
      O saudosista é um narrador trágico, seus personagens soluçam, cobertos por nevoentas imagens; o reminiscente, um contador de histórias, deitado numa acolhedora rede, à sombra de frondosa árvore, brincando com seus personagens do passado.
      O saudosista incorpora a dor e a veste; o reminiscente a despe, e sutilmente a sopra.
      O reminiscente nos abraça e no faz dançar iluminados; o saudosista nos tranca num baú de recordações e apaga a luz. 
      O saudosista é um beduíno solitário e cabisbaixo, na imensidão de um deserto, e nunca chega a lugar nenhum; o reminiscente, um caminhante fagueiro, sedutor e cativante que nos convida naturalmente a caminhar com ele até ali...     
      O saudosista sobe às montanhas e se senta ao chegar ao topo; o reminiscente se joga lá de cima com suas asas mágicas. 
      Enfim, o saudosista faz das suas recordações o buraco negro do cosmos, onde nos perdemos e desaparecemos; o reminiscente nos mostra os planetas e seus sóis e, envolvente, nos leva a um passeio pela via-láctea...