sábado, 16 de maio de 2015

Gosto de estar só

         
       Gosto de estar só, vez ou outra... Não que eu me baste, egoísticamente, ou por me sentir incapaz de exercitar a convivência com o ser humano, mas pela necessidade ímpar de mergulhar no silêncio ao redor e dentro de mim, sobretudo para observar-me, com o cuidado de quem observa uma borboleta sugando o néctar da flor, ambas envolvidas, comprometidas com o melhor que possam extrair, ambas resguardando a seiva que as sustente verdadeiramente. 
       Gosto de estar só para construir uma reflexão isenta e desapegada de mim, para ouvir melhor o que digo, sem emitir uma única palavra, como num concerto de piano, onde só o acorde das notas, ora aveludado ora tangente, trouxesse ao palco o seu compositor, revelando-o... E nessa profunda observação despojada do meu interior, eu me surpreendesse com as minhas frágeis certezas.
       Gosto de estar só para polir-me, lapidar-me, para repassar todas as imagens ilusórias que atiçam minhas tolas vaidades, e alertar-me para a  confusão do brilho ardiloso, passageiro, que acende ambições arenosas, suga e contamina.
       Gosto de estar só para perceber-me despida e exposta, ingênua e perigosamente crédula.
       Gosto de estar só, porque é assim que me dou conta do momento inadiável de pousar com prudência e segurança as minhas asas, que, por tantas vezes, deixam-me aturdida em voos aventurados.
        Gosto de estar só para enxergar o cerne de mim, mas sei que, para isso, tenho que me predispor transparente. 
        Gosto de estar só, mas acima de tudo preciso, às vezes, estar só, porque somente eu posso alcançar-me tão fundo e ceder-me humilde e isenta às reflexões que me proponho e superar-me na cobrança, a que me dobro, com tal completude de conhecimento... 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Paris em mim


      Paris se veste aos poucos de primavera que, lenta e suavemente, vai colorindo os canteiros com flores sorridentes e verdejando árvores aqui e ali.  Árvores que, mesmo nuas e pálidas, eram belas esculturas esculpidas pelas mãos anônimas da natureza. Agora, vestidas, são pinturas impressionistas distraídas na paisagem. 
     Por onde caminho, seguem-me o vulto, o passado e a história. Estou impregnada da formosura que suave esbarra em mim. Adentro esse quadro ousadamente. Imiscuo-me nessa moldura que outrora ou em alguma vida me esperava e a quem eu tanto queria. Num instante, somos a simbiose da chegada e da partida...   Não temos muito tempo e a urgência me consome: o tempo fluídico dos amantes. Sou a ansiedade tocando o belo. Meus olhos anotam, minha alma fotografa e eu flutuo... De onde vem essa emoção que me estremece em soluços inaudíveis? Ou seriam sussurros dos personagens que me acompanham? 
     O Sena é uma avenida imensa de águas cristalinas. Perspicaz, o vento mergulha velozmente em suas profundezas e emerge lépido e provocante, borrifando os meus cabelos e impregnando-me do perfume das possíveis verbenas-rosas, incrustadas no muros que escoltam sua margem. Posso escutar o som dos pássaros misturado ao vozerio dos passantes, sem prescindir do esplendor que me rodeia.        Dos paralelepípedos pequeninos e mágicos de Montmartre à suntuosidade proposital de Versalhes, sigo absurdamente em êxtase, subindo e descendo escadarias, alçando torres, ajoelhada sob vitrais que se movem na minha imaginação e me entrelaçam.  
     O tempo escoa implacavelmente zombeteiro, digladiando com vontades e compromissos. Mas já não importa, e escolho ficar.
     Num instante, sou parte desse mosaico multicor e detenho-me no esboço dos vitrais, consentida, permitida, desenhada...