sábado, 30 de janeiro de 2016

Carona em carro de bois (conto infanto-juvenil)

                   
         Não tínhamos skate, patins, sequer uma bicicleta velha, mas tínhamos o carro de bois...
        Antigamente, no interior, poucas casas não possuíam um fogão à lenha. E as lenhas eram transportadas em carros de bois, a nossa inesquecível aventura mambembe. Uma aventura perigosa, pois ao tentarmos subir afoitamente para a carroça, pois fazíamos essa estripulia com ela em movimento, corríamos o risco de nos esborracharmos no chão, ou rolarmos ladeira abaixo, feito uma tora desgovernada. 
         Devido ao iminente perigo a que nos expúnhamos, éramos sempre ameaçados de uma boa surra, caso ousássemos a tamanha desobediência. Daí que nos aventurávamos às escondidas, obviamente com a cumplicidade de toda a criançada. Ainda tínhamos de nos esconder do carreiro, pois era dele a responsabilidade, se algum acidente nos acontecesse.
Prevenido, depois de esvaziada a carroça, ele lançava um olhar vasculhador e meticuloso, para todos os lados, ao encalço de alguma criança que lhe pudesse escapar de sua prudente vigília. 
         Pequeninos bandidos, fazíamos tocaia, driblando as balas do olhar do carreiro, que passavam raspando sobre nossas cabeças, enquanto nos agachávamos atrás de velhas catacumbas, fincadas  num terreno baldio, que segundo moradores mais antigos, bem ali, em tempos distantes, fora o cemitério da cidade.
         O cenário era perfeito para tanto medo e emoção: medo da catacumba, medo consciente de estarmos transgredindo ordens e negligenciando obediências, onde uma surra pendente nos aguardava; e escolhíamos de vez a emoção. 
        O remorso e a ousadia oscilavam na exposição daquela aventura infantil.
        - Oa! Oa! -  gritava o carreiro para os bois. O grito que esperávamos ansiosamente. Ele nos soava como um canto, um acorde, uma senha... 
          Os bois começavam a se movimentar, e lá ia a carroça atrás, requebrando desengonçada. E lá íamos nós, com a rapidez da ventania, arremessando-nos para dentro dela. Um puxava o outro, e nos acomodávamos, coração aos pulos. No lugar de toras úmidas e pesadas, a carroça abrigava, agora, um bando de crianças engasgadas de riso, o riso farto da traquinagem. Impossível detê-lo. 
         Vez ou outra, sentávamos na beirada da carroça e ousávamos deixar nossas pernas balançando para fora, volitando ao vento, como se marcasse o ritmo do nosso coração endoidecido de felicidade. 
           Embalados pelo ranger das rodas de madeira nos paralelepípedos, fazíamos daquela velha carroça um perfeito set de filmagem, especial e particular. Dirigíamos nossas próprias falas, com ousadia, inventividade e os textos naturalmente bem-decorados, porque o script éramos nós, não precisava de cortes nem edição. Quem o viveu não editaria...
            Nossos olhos faziam as tomadas mais perfeitas e fotografavam por conta da emoção.
           E uma película mágica, invisível, ia movimentando uma câmera imaginária.
           Movimentando, movimentando...