quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Tempo

Sempre esperei do tempo
no tempo por onde andei,
o tempo que se adivinha
e que hoje já não sei...
No tempo que eu creio,
esperei pelo que vinha,
no tempo que não veio....
    





sábado, 30 de janeiro de 2016

Carona em carro de bois (conto infanto-juvenil)

                   
         Não tínhamos skate, patins, sequer uma bicicleta velha, mas tínhamos o carro de bois...
        Antigamente, no interior, poucas casas não possuíam um fogão à lenha. E as lenhas eram transportadas em carros de bois, a nossa inesquecível aventura mambembe. Uma aventura perigosa, pois ao tentarmos subir afoitamente para a carroça, pois fazíamos essa estripulia com ela em movimento, corríamos o risco de nos esborracharmos no chão, ou rolarmos ladeira abaixo, feito uma tora desgovernada. 
         Devido ao iminente perigo a que nos expúnhamos, éramos sempre ameaçados de uma boa surra, caso ousássemos a tamanha desobediência. Daí que nos aventurávamos às escondidas, obviamente com a cumplicidade de toda a criançada. Ainda tínhamos de nos esconder do carreiro, pois era dele a responsabilidade, se algum acidente nos acontecesse.
Prevenido, depois de esvaziada a carroça, ele lançava um olhar vasculhador e meticuloso, para todos os lados, ao encalço de alguma criança que lhe pudesse escapar de sua prudente vigília. 
         Pequeninos bandidos, fazíamos tocaia, driblando as balas do olhar do carreiro, que passavam raspando sobre nossas cabeças, enquanto nos agachávamos atrás de velhas catacumbas, fincadas  num terreno baldio, que segundo moradores mais antigos, bem ali, em tempos distantes, fora o cemitério da cidade.
         O cenário era perfeito para tanto medo e emoção: medo da catacumba, medo consciente de estarmos transgredindo ordens e negligenciando obediências, onde uma surra pendente nos aguardava; e escolhíamos de vez a emoção. 
        O remorso e a ousadia oscilavam na exposição daquela aventura infantil.
        - Oa! Oa! -  gritava o carreiro para os bois. O grito que esperávamos ansiosamente. Ele nos soava como um canto, um acorde, uma senha... 
          Os bois começavam a se movimentar, e lá ia a carroça atrás, requebrando desengonçada. E lá íamos nós, com a rapidez da ventania, arremessando-nos para dentro dela. Um puxava o outro, e nos acomodávamos, coração aos pulos. No lugar de toras úmidas e pesadas, a carroça abrigava, agora, um bando de crianças engasgadas de riso, o riso farto da traquinagem. Impossível detê-lo. 
         Vez ou outra, sentávamos na beirada da carroça e ousávamos deixar nossas pernas balançando para fora, volitando ao vento, como se marcasse o ritmo do nosso coração endoidecido de felicidade. 
           Embalados pelo ranger das rodas de madeira nos paralelepípedos, fazíamos daquela velha carroça um perfeito set de filmagem, especial e particular. Dirigíamos nossas próprias falas, com ousadia, inventividade e os textos naturalmente bem-decorados, porque o script éramos nós, não precisava de cortes nem edição. Quem o viveu não editaria...
            Nossos olhos faziam as tomadas mais perfeitas e fotografavam por conta da emoção.
           E uma película mágica, invisível, ia movimentando uma câmera imaginária.
           Movimentando, movimentando...

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Quando sou intensa


     Sou intensa, quando saio do meu eu absoluto e egoísta e lanço um olhar atento, ao meu redor, na busca harmoniosa com o outro.
      Sou  intensa, quando não me deixo abater em conformismos e  me exponho ousada à luta
       Sou intensa, quando fico brava com as injustiças e me impulsiono irascível para combatê-las. 
      Sou intensa, quando o meu fervor se sobrepõe à minha descrença.
      Sou intensa, quando sei que posso minimizar a dor, recorrendo às minhas forças nascidas de um otimismo que exercito.
      Sou intensa, quando não nego os meus medos e aciono a minha coragem.  
      Sou intensa, quando erro e quando peço perdão. 
      Sou intensa, quando não retroajo no meu determinismo e nas minhas convicções.
     Sou intensa na minha humildade.
     Sou intensa nos meus sonhos: voo sempre bem alto e bem longe... Mas sou intensa quando pouso os meus pés na realidade que me espera.
     Sou intensa, quando tenho que convencer o irredutível. 
       Sou intensa, quando derrotada e vencida.
     Sou intensa, quando comemoro uma conquista, passeando minhas reflexões sobre as dificuldades em alcançá-la.
     Sou intensa, quando ferida e intensa quando curada.
      Sou intensa quando oro, quando agradeço, quando faço escolhas, quando me entrego e me doo com alma a alguém.
     Sou intensa em tudo a que me disponho, porque a superficialidade me afoga, é a profundidade que me aconchega.








Ponte florida sobre abismos



     Não há idade para a emoção afetiva, mas quantas pessoas vivem à beira de seus abismos frios e inacessíveis, sem se permitir o amor. Trancafiadas em si mesmas, envelhecem por dentro, enquanto a vida em seus rostos clama viver. Réstia de luz que insiste passar sob seus olhos.
     O tempo escoa...  E a cada dia se faz menor, transcorrendo em direção contrária à letargia de quem não se permite amar. E permitir-se amar não é propor-se aventuras efêmeras que farão com que todos os relógios pareçam correr ainda mais vertiginosos. Também não é abraçar sonhos irrefreáveis e sem direção que podem desabar sobre rochas.
     É possível sonhar sentindo o chão sob os pés. É possível sonhar e consentir-se um amor bonito que bater à porta. A vida pode ser curta, mas não é se privando vivenciar um sentimento que ela há de parecer mais longa e prazerosa. Tão-pouco, não é percorrer os caminhos que faltam, dando lugar unicamente a esparsos amores, interrompidos ou malcomeçados.
      Sem desafiarmos limites e quebrarmos grilhões que nos aprisionam, roubaremos de nós a chance de vida.
      Permitir-se é erguer uma ponte florida sobre os abismos que cavamos ao nosso redor e experimentarmos ser felizes. Pode dar certo, pode valer a pena...

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A maturidade



           O passar dos anos presenteia-nos com a maturidade, que é sempre sinônimo de lucidez, até nos permite sermos insensatos, vez ou outra, sem comprometer toda a boa bagagem que acumulamos na trajetória percorrida, porque a maturidade jamais dará longo abrigo à insensatez.           
           A maturidade nos traz uma segurança inexplicável em todos os atos que praticamos, mesmo aqueles que, mais tarde, possamos considerá-los precipitados, mas que teriam, sem dúvida, efeitos avassaladores, se os tivéssemos cometidos no arroubo da juventude. 
           A maturidade, quando chega, não faz alarde, contudo, é  perceptível nos detalhes dos nossos gestos, nas atitudes, na forma como nos dirigimos às pessoas, nas nossas solicitudes, no nosso olhar perscrutador, nos pequenos e grandes risos, mesmo aqueles disfarçados, brincando nos lábios. 
         A maturidade faz-nos otimistas de insofismáveis convicções, sem que pareçamos arrogantes e soberbos. Quando solicitados a intervir em questões conturbadas e ardilosas, ela nos emprestará argumentos naturalmente sábios. 
          Há dentro de nós, pessoas maduras, uma sensação de êxtase por termos chegado plenos à idade que nem todos alcançam, alguns por ter sido levados desta vida jovens demais, cumprindo os desígnios de Deus,  outros, porque a preguiça e a irresponsabilidade embotaram-lhes a mente, e ali, no limbo do crescimento, vagam na imaturidade. 
          A maturidade coloca uma bússola invisível em nossos passos e nos direciona com perfeita exatidão por onde seguirmos e um infalível relógio em nossos bolsos, que não nos permite demorar onde quer que seja, ou com quem  quer que seja, um segundo além do que a prudência determina, ao contrário, reveste nossos relacionamentos de clarividências e mais saudáveis, sem possessões passionais, porque eleva a nossa autoestima e sacode o nosso amor-próprio ao nível justo da ponderação. 
          Percebe-se a maturidade em uma pessoa até no modo como ela se recolhe em sua dor...
         A maturidade apura nossos gostos e nos faz seletivos, ao mesmo tempo, confere-nos profunda segurança em afirmarmos preferências e convicções, sem nos importarmos em impressionar uns ou contrariar e decepcionar outros, porque maturidade é, precisamente, liberdade de ser, com  amplitude e autossatisfação que compraz, irradia e inspira.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Tudo passa


Tudo passa, é certo…
O fervor ao amor mais querido,
jurado e prometido
passa, no fulgor do entusiasmo.
Tudo passa no percurso da vida:
os percalços, as dores sentidas,
o tempo ido os distrai.
Mesmo a saudade julgada
infinda, a cada dia se esvai
no pensamento...
Tudo se desfaz na efemeridade do segundo
e na velocidade do vento,
o que se pensa, o que se diz e o que se faz.
Tudo passa,
na vã eternidade do momento...